quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Schubert - Der Wanderer, D. 493 Fischer-Dieskau, Moore


por Felipe Angelim

Como eu disse no post introdutorio do blog, este é direcionado tanto a ja iniciados nas grandes artes e na filosofia quanto aos que estão começando a descobrir. Logo, a todos os autores e compositores que eu citar pela primeira vez, farei uma pequena apresentação. Hoje o tema é de um de meus compositores favoritos, Schubert, com o exemplo e analise de uma lied sua, composta sobre um poema feito por um poeta de muita habilidade e brilho, Georg Philipp Schmidt von Lubeck, mas que infelizmente muitos poucos conhecem mesmo em sua terra natal, a Alemanha.


Franz Peter Schubert nasceu em Vienna em 1797 e morreu na mesma cidade em 1828. Considero-o o maior compositor de lieder* que ja houve. Sua primeira obra de arte foi uma lied, chamada Gretchen am Spinnrade em um poema do Fausto de Goethe, composta aos seus 17 anos de idade, idade na qual Mozart, considerado o maior prodigio musical da historia, ainda não compusera nada de real valor, o que mostra o gênio que foi Schubert.

Esta genialidade se mostrava atraves particularmente de suas melodias, que pareciam sair tão naturalmente de sua caneta para a partitura quanto palavras saem de uma boca, mas isso de fato era produto de muito mais do que simples inspiração: Schubert era um homem muito culto, que lera ao certo mais de 800 livros antes de seus 20 anos. Seu conhecimento parecia, como seus amigos e parentes relataram, "o deixar nas nuvens", pois seu desleixo com a vida pratica era notavel: raramente penteava os cabelos, caia em buracos frequentemente na rua, esquecia os nomes das pessoas mais proximas, se perdia em caminhos conhecidos, etc.

Mas sua mente brilhante não lhe dava nenhuma arrogância: convencido de seu destino, ele declarou que tinha sido colocado na Terra apenas para compor. Extremamante profilico, ele esquecia de suas obras logo apos de finalizadas e se focava inteiramente nas proximas; de fato, ele parece ter perdido tanto quanto criou: ele dava suas partituras para seus amigos e colegas tão facilmente quanto damos bom dia, e logo se esquecia para quem tinha emprestado ou onde tinha deixado. Seu amigo, Josef Huttenbrenner, incomodado com o desleixo de Schubert, um dia resolveu juntar todas as lieder que ele pôde achar em seus pertences ou entre seus amigos mais proximos, para guardar com segurança em uma gaveta longe do compositor: ele contabilizou mais de 100. Temos, ao todo, acesso a mais de 600 lieder de Schubert, e cada uma é uma obra de arte incomparavel. 

Schubert é considerado por alguns como expoente tardio do classicismo na musica, mas eu digo que nunca ouvi nada tão imbecil. Até seu advento, ninguém compusera nada que foi tão profundamente nos sentimentos humanos, nem que chegou a cumes tão altos de drama e de energia vivaz. A musica classica, de Mozart por exemplo, era basicamente concebida para os gostos burgueses, retida em formas por vezes belissimas, mas sempre agradaveis e contidas emocionalmente, com uma preocupação com a elegância. Mesmo Beethoven, que é o verdadeiro compositor que fez nascer o Romantismo, pouco tentou transcender estas barreiras. Porém, Schubert o fez, e mostrou uma habilidade unica em habitar no espirito das poesias que musicou, como pretendo demonstrar com o poema de von Lubeck. Costumo dizer que ele teria se tornado o maior compositor de todos os tempos em todos os sentidos, não apenas nas lieder, se tivesse vivido mais do que seus breves 31 anos.


 * - Plural da palavra alemã lied, que significa aproximadamente "canção". O termo é usado para designar musicas para cantor solo com acompanhamento mais frequente de piano, - ou mais raramente de outros instrumentos - mas jamais uma orquestra, e geralmente é cantado em lingua alemã. Seu nascimento se deu com a tradição de cantos eclesiasticos luteranos na Alemanha, tema sobre o qual falarei em posts futuros. São quase sempre feitas em cima de poemas. Como curiosidade, ja ouvi um professor de apreciação musical americano dizendo que, se dissermos para um alemão que não conhece muito o inglês, "take me to you leader", ele nos levara para sua coleção de CDs.


Georg Philipp Schmidt von Lubeck nasceu em Lubeck (dã) em 1766 e morreu na mesma cidade em 1849. De uma familia de mercadores de longa tradição que fora recentemente agraciada com o titulo de nobreza (o "von"), era amigo proximo de um dos maiores filosofos do Romantismo, Herder, por quem foi muito elogiado. 


Vamos ao poema com tradução livre feita por mim, obviamente sem respeito às rimas do original:

Der Wanderer -  Georg Philipp Schmidt von Lubeck

Ich komme vom Gebirge her,
Es dampft das Tal, es braust das Meer.
Ich wandle still, bin wenig froh,
Und immer fragt der Seufzer, wo?

Die Sonne dünkt mich hier so kalt,
Die Blüte welk, das Leben alt,
Und was sie reden, leerer Schall;
Ich bin ein Fremdling überall.

Wo bist du, mein geliebtes Land?
Gesucht, geahnt, und nie gekannt!
Das Land, das Land so hoffnungsgrün,
Das Land, wo meine Rosen blühn.

Wo meine Freunde wandelnd gehn,
Wo meine Toten auferstehn,
Das Land, das meine Sprache spricht,
O Land, wo bist du? . . .

Ich wandle still, bin wenig froh,
Und immer fragt der Seufzer, wo?
Im Geisterhauch tönt's mir zurück:
"Dort, wo du nicht bist, dort ist das Glück."

Eu desço das montanhas,
O vale escurece, o mar ruge.
Eu vago silenciosamente e um tanto infeliz,
E minha visão sempre pergunta: "Onde?"

O sol me parece tão frio aqui
As flores desbotadas, a vida vazia
E o que me dizem, é um eco vazio;
Eu sou um estrangeiro em todos os lugares.

Onde esta você, minha querida terra?
Buscada e trazida à mente, mas nunca encontrada,
Essa terra, tão esperançosamente verde,
Essa terra, onde minhas rosas desabrocham,

Onde meus amigos passeiam,
Onde meus mortos ressuscitam,
Essa terra onde se fala a minha lingua,
Oh terra, onde esta você?

Eu vago silenciosamente e um tanto infeliz,
E minha visão sempre pergunta: "Onde?"
Em de sopro de espirito me vem a resposta:
"La, onde tu não estas, la esta a felicidade."


Para analiza-lo, vou faze-lo por estrofes, e procederei mostrando como Schubert o musicou em sua lied, com a intrpretação maravilhosa do baixo-baritono Dietrich Fiescher-Dieskau no video que seguira abaixo:

Na primeira estrofe, o personagem descreve sua inquietude sentimental, metaforicamente simbolizada pelo fato de vagar, e fala da natureza tormentosa como simbolo do estado de seu mundo interno. Quando ele fala do mar e do vale, Schubert optou por fazer o cantor reforçar sua voz com agressividade, para mostrar esta tormenta. Logo apos, sua voz suaviza quando fala de seu modo triste de vagar, expressando melancolia, terminando com a pergunta "Onde" (Wo?) em cadência, mostrando a duvida, como um suspiro.

Esta tristeza continua na segunda estrofe, quando o poeta segue usando a natureza como metafora para seu vazio interno. O compositor faz a voz permanecer triste, porém mais lenta - em pianissimo -, demonstrando a reflexão melancolica do personagem. Ela culmina na afirmação de ser um estrangeiro em todos os lugares (leia-se: não encontrar uma forma de se sentir bem emocionalmente), onde a palavra "estrangeiro" (Fremdling) é mais longa, cantada com notavel angustia por Dieskau.

Porém, na terceira estrofe, o personagem sonha com sua terra - sua paz de espirito, seu conforto sentimental -, a descrevendo, o que parece melhorar seu humor. Schubert compôs esta parte em tom maior (em Mi, mais particularmente), o que mostra bem a esperança. Na lied fica claro o quanto a existência simbolica desta terra sonhada torna o personagem mais feliz, que se anima sucessivamente, mas a estrofe termina com um retorno à melancolia, com a pergunta cantada em tom de como se quem implorarasse: "Oh land, wo bist du?"

Na ultima estrofe, a melancolia então volta - e a musica ao tom menor -, e se repetem os dois versos finais da primeira, demonstrando a persistência do questionamento e da inquietude. Mas o poema se encerra com os outros dois versos, nos quais um "sopro de espirito" (Geisterhauch) da a resposta a esse questionamento para o poeta: Ele nunca encontrara a felicidade, pois é seu estado - seu destino - ser infeliz e continuar vagando em seus sentimentos. Este sopro, claro, é uma metafora da propria consciência do personagem, um simbolo da autoreflexão, mas que chega desolador, destruindo completamente qualquer esperança. Schubert da então o climax da lied, fazendo com que este sopro seja cantado com uma voz muito mais grave, até mesmo assustadora, o que expressa totalmente este efeito destrutivo. 


Com estas informações, espero que gostem da lied e possam, caso não conheçam, se interessar pelo trabalho do Schubert e pela poesia do von Lubeck. Devo acrescentar que escolhi esta peça em particular pela sua identificação com a tematica do blog: a viagem sentimental e o vagar simbolico em busca de um lugar melhor.


terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Quem somos e o que é o Fernwehe?

Saudações, leitores!

Nos, Felipe Angelim e Henrique Pinto-Coelho, decidimos criar este blog para escrevermos sobre nossas idéias, e este é o primeiro post. Ao visitante, porém, algumas perguntas podem surgir. Começarei portanto apresentando os autores e os conceitos que pretendemos transmitir: 


 Quem são vocês?

    Felipe Angelim é estudante de historia na Universidade de Strasbourg, na França, ex-estudante de historia na UFRJ - onde conheceu Henrique - e de letras português/latim na UERJ. Pesquisa sobre a Republica Romana, em particular no que toca a literatura da época, mas se interessa por e estuda filosofia - principalemente estética -, apreciação musical, artes visuais, mitologia - sobretudo greco-romana -, e literatura em geral. Pretende escrever sobre todos estes temas, dentro do que seus conhecimentos lhe permitirem. Fala inglês, francês e espanhol, estuda alemão e sabe ler e traduzir latim e grego classicos, portanto fara neste blog traduções destes idiomas. Seu teclado francês o impede de acentuar a maior parte das vogais de fazer tremas, portanto ele pede desculpas pela falta destes em seus posts.

    Henrique Pinto-Coelho é formado em historia pela UFRJ. Pesquisa antiguidade, mais especificamente religiosidade no Ocidente Barbaro durate a Idade do Ferro e Republica Romana. Tem interesse por filosofia, ética, teologia, metapolitica e antiguidade ocidental classica e não classica. Estudou musica por 7 anos. Fala inglês e alemão e tentara escrever sobre esses temas na medida do possivel.


    O que significa Fernwehe, e por que os titulos estão em alemão?

      A primeira vista, pode parecer esnobismo, claro. Mas esta não é a intenção, pois os dois autores tem em comum um grande interesse e admiração pela arte e pensamento germânicos, e consideram que o paroxismo da arte ocidental foi alcançado com o Romantismo Alemão. Utilizar termos originarios desta ideologia aproxima, ao nosso ver, a estética do blog aos seus conceitos metafisicos. Cabe, no entanto, explicar os termos:

      Fernwehe - Este é o plural de Fernweh, uma palavra composta de "fern" (distante), e "Weh" (dor). Se traduz como uma ânsia por viajar, trocar de ares, buscar. Tomado em seu sentido conotativo, metaforico, fernweh é a vontade de mudar a si mesmo e à sociedade, a dor de saber que algo esta errado. Para esta dor, a solução é embarcar em uma viagem filosofica e sentimental, na qual se pode transformar, reformar e buscar o Ideal. Fernwehe foi usado no plural para expressar que são muitas as dores, males e defeitos que enxergamos em nosso entorno.

      Semper quaerens - Lema do blog, e unica parte que colocamos em latim, e não em alemão, dado que os lemas são tradicionalmente nesse idioma. Significa "sempre em busca", sendo a busca o objetivo final de nossa viagem simbolica.

      Träumer - Signfica "sonhadores". Como esta viagem é metaforica, se apresenta como uma jornada metafisica, que existe no plano das idéias mas não se aplica ainda à realidade. Ela é concebida como um sonho, e portanto os autores, os viajantes, são sonhadores que buscam aplicar seus ideais no mundo tangivel.

      Wanderfreunde - Simplesmente "companheiros de viagem". Nossos leitores, que pretendemos que embarquem conosco. Certamente, pelo proprio proposito do blog, serão muito poucos, mas esperamos que sejam valiosos.

      Reisetagebuch - Se traduz como "diario de viagem", é o arquivo dos nossos posts.


      Por que o simbolo do blog é uma rosa azul?

        Mais uma vez emprestado do Romantismo Alemão, o conceito da Blaue Blume (flor azul, não necessariamente uma rosa) foi criado pelo autor, poeta e filosofo Novalis (1772 - 1801) em seu romance Heinrich von Ofterdingen, onde o protagonista, Heinrich, sonha com flores azuis depois de ser avisado por um sabio em sua jornada de aprendizado. A propria jornada de Heinrich, de enriquecimento da alma, da moral e do intelecto, tipica de um Bildungsroman alemão, nos é muito simbolica, mas a Flor Azul se tornou um simbolo de todo o movimento romântico germânico.

        Esta flor, que originalmente não existe na natureza, expressa a busca pelo Ideal, que é feita através da união do espirito humano com a natureza (entendia no sentido grego de κόσμος), a jornada interna pela Beleza que, embora não existente, deve ser conceituda, sonhada, divulgada e, finalmente, buscada. A buscamos pelo conhecimento de nos mesmos, de nossa sociedade, pelo aprofundamento de nossa consciência, e pela compreensão de nossos sentimentos. Destes ultimos, o mais nobre, aquele que de acordo com os românticos purifica e redime o mundo de suas imperfeições, é o amor, que é simbolizado pela flor em si, principalmente a rosa. 


        O que o blog pretende? Quais os seus objetivos?

          Embora nossa vontade seja de muito mais, sabemos que não podemos ser muito ambiciosos. Admiramos o Romantismo, a literatura verdadeira, a pintura que busca a beleza, a arquitetura tradicional, a filosofia, os ideais grego-romanos, mas vivemos em um mundo onde todos estes são ignorados pela maioria da população ou pior: instrumentalizados pelo utilitarismo, banalizados, depreciados no ensino acadêmico esquerdista, associados à retrogadas, deturpados por filosofos e antropologos pos-modenos, etc.

          Logo, nosso publico alvo sera de pouquissimas pessoas, e este blog é uma tentativa de ajudar àqueles que possuem menos informações sobre este mundo de conhecimento que foi tão obscurecido desde o século XX, divulgando obras musicais, analisado e traduzido poemas, e fazendo pequenas reflexões. Não é nosso fim debater acadêmicamente com aqueles que discordam de nossos ideais, pois isto fazemos em nossos seminarios, pesquisas e aulas - enfim, no mundo acadêmico -, mas sim apenas expor e conceituar o que pensamos em uma linguagem de não muito dificil acesso, na esperança de que alguns leigos ou iniciantes visitantes do blog se apaixonem como nos pela bela cultura que nossos antepassados nos deixaram e se incentivem a preserva-la antes que ela morra por completo.

          Temos conceitos de moralidade e estética muito bem definidos e bastante diferentes dos que são comuns na sociedade atual. Tentaremos defini-los citando os filosofos que nos embasam sem que nossos posts virem tratados de filosofia ou artigos cientificos cheios de notas de rodapé, mas expondo de forma clara o que consideramos certo e errado, belo e feio, dando sempre dicas de como se aprofundar no assunto. Combateremos com idéias os males de nossa sociedade: o modernismo, o utilitarismo, a bestialização igualitaria do homem - como diz Nietzsche - , a relativização da moral, o nihilismo, a morte do mito, a degenerência da sentimentalidade, e tantos outros, mas sobretudo divulgaremos o que prezamos. Em sumo, e para finalizar, cito Richard Wagner para melhor definir este nosso objetivo:

          "Mesmo que eu saiba que nunca mudarei as massas, e que nunca transformarei nada permanente, tudo o que eu peço é que as boas coisas tenham também o seu lugar, o seu refugio"

          Esperamos que gostem de nossos posts. As ocupações da vida nos impedirão de postar muito, mas tentaremos manter o blog atualizado, e pedimos que vocês se inscrevam como nossos Wanderfreunde para que assim possamos conhecê-los e, quem sabe, adaptar nossa escrita a vossas duvidas, curiosidades e interesses dentro dos assuntos dos quais trataremos.